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LITERATURAS AFRO-BRASILEIRA E AFRICANAS NO CONTEXTO DO LETRAMENTO LITERÁRIO: O DESAFIO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA A 3ª SÉRIE DO ENSINO MÉDIO[1]

Nelzir Martins COSTA[2]
Universidade Federal do Tocantins

 
Resumo: Este artigo apresenta uma análise de livros didáticos de Língua Portuguesa utilizados na 3ª série do Ensino Médio dos Centros de Ensino Médio do município de Porto Nacional – Tocantins. A análise centra-se na observação da apresentação das Literaturas Afro-brasileira e Africanas como conteúdo escolar, no contexto do letramento literário esperado da escola na formação dos jovens. Os resultados deste trabalho indicam que, apesar dos anos da vigência da Lei 10.639/2003, os livros didáticos ainda não trazem, da forma esperada pelas teorias de letramento literário, essas literaturas. Revelam que alguns autores, nem mesmo conseguiram inseri-las como parte do conteúdo.

Palavras-chave: Livro didático; Letramento; Literatura Afro-brasileira e Africana.


1. Considerações Iniciais

              A didatização da literatura tem consistido em uma problemática que abrange desde a elaboração dos materiais didáticos à prática pedagógica em sala de aula, por isso o livro didático (doravante LD)[3] sempre merece atenção em relação à forma como a apresenta aos alunos e norteia a aprendizagem em sala de aula.
              Nas últimas décadas, a educação no país foi repensada diante das novas exigências sociais, provenientes dos avanços tecnológicos, estabilidade econômica e, consequentemente, maior acesso da população a recursos midiáticos, entre outras situações emergentes, o que levou a escola a ter a sua função social questionada.
              Na sociedade do conhecimento, tornou-se evidente a necessidade de uma escola que contribua positivamente na formação de cidadãos politizados, conscientes dos seus direitos e deveres, capazes de atuarem como protagonistas numa sociedade competitiva e cada vez mais exigente.
            Centrada nestas exigências, a escola anseia formar leitores proficientes, sendo esta uma das prioridades estabelecidas nos documentos oficiais que subsidiam o processo educacional brasileiro, principalmente no que se refere à área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Entendendo aqui o leitor proficiente como aquele capaz de ler e interpretar,


[1] Artigo apresentado como um dos requisitos parciais da avaliação da disciplina: Letramento Literário, ministrada pelas docentes: Hilda Gomes Dutra Magalhães e Márcia Rejany Mendonça no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Tocantins (PPGL/UFT), no curso de Mestrado em Ensino de Língua e Literatura (MELL).
[2] Mestranda em Ensino de Língua e Literatura pela Universidade Federal do Tocantins – MELL/UFT.
[3] Nomenclatura utilizada conforme Guia do PNLD/2012.


analisar um texto, identificando as inferências e informações implícitas, ou seja, a leitura que supera a simples decodificação dos signos e sinais.
              Neste contexto, surgem questionamentos sobre o trabalho realizado com a leitura na escola, mais especificamente com a literatura no processo de formação desse leitor. A literatura vista como elemento essencial no processo de letramento dos alunos e sua abordagem nos livros didáticos.
              Por isso, ao explorar sobre o trabalho com a leitura na escola, a análise do livro didático de Língua Portuguesa (doravante LDP)[1]  torna-se essencial, uma vez que se trata de um instrumento norteador da prática pedagógica nas escolas. “O livro didático serve, então, como um guia para o professor e para o aluno, tendo em vista que os textos, exercícios, pesquisas estão previamente definidos” (RANGEL, 2005, p. 134).
              Tendo como base a função social da escola, a luta pela igualdade de direitos, o respeito e a tolerância às diferenças na convivência social como princípios na prática pedagógica e a importância atribuída ao LD no contexto educacional, a presente pesquisa objetiva analisar como o LDP para o ensino médio cumpre a exigência da Lei 10.639/2003, a qual decreta a obrigatoriedade da temática afro-brasileira e africana na educação básica. Será observada assim, qual a ênfase dada à Literatura Afro-brasileira e Africana, no contexto do letramento literário, nas turmas de 3ª série do Ensino Médio.
              Objetivando uma análise voltada para a realidade da proponente da pesquisa e em atender a um público alvo de quantidade significativa, optou-se como corpus de análise, os LDP utilizados pelos Centros de Ensino Médio do município de Porto Nacional. Escolha justificada pela abrangência de alunos atendidos, sendo jovens e adultos que estão concluindo a educação básica e já atuam como protagonistas na sociedade, para quem o letramento torna-se imprescindível no exercício diário da cidadania.
              Para isso, será adotada a visão de letramento literário do Cosson, para quem “a nossa proposta de letramento literário mostra o caminho que percorremos para fazer da literatura na escola aquilo que ela é também fora dela: uma experiência única de escrever e ler o mundo e a nós mesmos” (COSSON, 2011, p. 120).
              Não significando assim, que a literatura será utilizada como um fim para a abordagem da valorização das diferenças étnicas e relacionamentos etnicorraciais, mas em cujas leituras, através da exploração transversal e interdisciplinar, possa haver contextualizações com tais temáticas, não se desviando da literatura, mas sendo capaz de efetivar diálogos com a realidade vivenciada pelos alunos leitores.
              Os LD aqui analisados são: “Linguagem em Movimento”, dos autores Carlos Cortez Minchillo e Izeti Fragata Torralvo, Editora FTD; “Português Linguagens”, dos autores Thereza Cochar Magalhães e William Roberto Cereja, Editora Saraiva. Ambos pertencem ao Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM/2012), aprovados pelo Ministério da Educação (MEC) para integrarem as coleções a serem escolhidas pelas escolas e distribuídas em todo o país.
              Estes LDP foram escolhidos em 2011 para serem utilizados no triênio 2012-2014, sendo, portanto, este ano, o primeiro a serem utilizados nas referidas unidades escolares.

2. Letramento, Literatura eEscolarização

            As habilidades de leitura e escrita necessárias para a sociedade contemporânea acompanham os avanços experimentados por ela. A multiplicidade de veiculação de informações, nos mais diversos gêneros textuais, exige do leitor um maior nível de letramento. Termo relativamente novo, inserido na Língua Portuguesa, utilizado para


[1]Nomenclatura utilizada conforme Guia do PNLD/2012.

denominar essa capacidade da leitura, cuja significação extrapola a alfabetização. Hoje, mais do que ser alfabetizado, o sujeito precisa ser letrado.

(...) porque só recentemente passamos a enfrentar esta nova realidade social em que não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever. Saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente – daí o recente surgimento do termo letramento. (grifo do autor) (SOARES, 2012, p. 20).

              Formar um cidadão pleno, portanto, recai na responsabilidade de dotá-lo das competências de utilização da leitura e da escrita no âmbito social, ou seja, constituir as mesmas em instrumentos de vivência, com autonomia, na sociedade.
              Goulart (2007, p. 40) apresenta letramento como “espectros de conhecimentos desenvolvidos pelos sujeitos nos seus grupos sociais, em relação com outros grupos e com instituições sociais diversas”. Explicitando que os mesmos estão relacionados à vida cotidiana e à vida social na utilização da linguagem escrita de forma explícita ou implícita em graus de maior ou menor complexidade.
              A escola é vista como a principal instituição responsável pelo letramento, e conta com as disciplinas do currículo para isto. A literatura neste caso, consiste em uma grande aliada à formação do hábito da leitura e, consequentemente, de leitores competentes. Cosson (2011) enfatiza a importância da leitura literária no processo de letramento.

Na escola, a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor, não apenas porque possibilita a criação do hábito de leitura ou porque seja prazerosa, mas sim, e sobretudo, porque nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura faz, os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem (COSSON, 2011, p. 30).

              O autor atribui à leitura literária uma função que vai além do prazer estético, contribuindo para a formação de um sujeito competente para lidar com as inúmeras situações da linguagem.
              Revisitando os processos e etapas vivenciados pela literatura, desde a antiguidade até o contexto atual, é possível observar que é constante a busca de uma função prática para ela. Platão (427/8 - 348–7 A.C.)  atribuía à literatura a faculdade de agir como um instrumento de ensino e de formação da personalidade humana. Ressaltava que poderia ser utilizada na instrução às crianças, inclusive, afirmava que havia as fábulas “boas” e “más” para tal fim e quanto às que considerava “boas” defendia que “as amas e as mães deveriam ser persuadidas a contá-las às crianças para moldar as suas almas, com mais cuidado do que os corpos com as mãos” (PLATÃO, s.d., p. 87).
              A visão de que a produção literária deveria estar a favor da formação moral dos indivíduos não havendo para ela outra finalidade.
              Embora discípulo de Platão, Aristóteles (384-322 A.C.) divergia do seu posicionamento, para ele, a literatura não possuía a função de ensinar, sendo a mesma a arte, a representação do real através do belo (mimesis), possuía uma função catártica, ou seja, de cunho purificador e liberador de sentimentos negativos e emoções reprimidas. Para outros filósofos e teóricos, como Kant (2010) a literatura é arte, portanto, não possui nenhuma outra função, apenas a expressão do belo e o prazer estético, não se relacionando com a formação moral ou elemento de purificação de sentimentos.
              Compagnom (2009) acreditava no poder da literatura em favorecer a reflexão, através do diálogo entre texto e leitor, cujo resultado recaía sobre uma análise das relações particulares e complexas que permeiam a natureza humana. Segundo ele, a literatura pode sim, tornar as pessoas mais sensíveis e melhores.

A literatura nos liberta de nossas maneiras convencionais de pensar a vida – a nossa e a dos outros -ela arruína a consciência limpa e a má fé (...) – ela, resiste à tolice não violentamente, mas de modo sutil e obstinado. Seu poder emancipador continua intacto, o que nos conduzirá por vezes a querer derrubar os ídolos e a mudar o mundo, mas quase sempre nos tornará simplesmente mais sensíveis e mais sábios, em uma palavra, melhores (COMPAGNON, 2009, p. 50).
             
              Em relação ao ensino escolar e a literatura, nota-se que há uma mescla desses pensamentos e teorias que foram adotadas e repensadas ao longo dos anos. Pode-se afirmar que o ensino da literatura nas escolas encontra-se, ainda, em um processo de afirmação, de busca de uma identidade própria, cuja escolarização consiga promover a formação do leitor proficiente esperado pela sociedade.
              Os documentos oficiais referentes à educação brasileira apresentam claramente a busca dessa identidade, quando apresentam dissonâncias entre si em relação à proposta do ensino da literatura. Fator que, demonstra a constante tentativa de chegar-se a um consenso de o que e como ensinar nesta disciplina. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino Médio (PCNEM), enfatizam a importância do pensar em um novo currículo para o ensino médio objetivando atender às novas exigências sociais, propondo a formação geral, em oposição à formação específica para os jovens; formação esta desvinculada do simples exercício da memorização, aliada ao desenvolvimento de habilidades de pesquisa, busca de informações, análise e seleção, entre outras, as quais somente pressupomos serem possíveis a partir do processo de letramento. “Alteram-se, portanto, os objetivos de formação no nível do Ensino Médio. Prioriza-se a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (BRASIL, 2002, p. 25).
              Embora se proponha a um repensar das práticas educacionais, os PCNEM não apresentam proposta evidente de inovação para o ensino da literatura. O que se observa é a literatura centrada nos estilos de época.

Em uma situação de Ensino, a análise da origem de gêneros e tempos, no campo artístico, permite abordar a criação das estéticas que refletem, no texto, o contexto do campo de produção, as escolhas estilísticas, marcadas de acordo com as lutas discursivas em jogo naquela época/local, ou seja, o caráter intertextual e intratextual (BRASIL, 2002, p. 129).

              Essa ideia é reforçada na explanação das competências e habilidades, quando na competência de Investigação e Compreensão consta a habilidade de analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos da linguagem, relacionando textos com seus contextos, envolvendo função, organização, intenção, época, local, etc.
             
O mesmo documento apresenta uma posição paradoxal quando faz uma crítica sobre o ensino da literatura nas escolas centrado na história da literatura, causando dúvidas em como deve se dar esta prática. Lapso que não passou despercebido aos educadores e MEC, que objetivando corrigir as falhas, lançou os Parâmetros Curriculares + (PCN+), o qual também não conseguiu apresentar grandes avanços em relação à problemática evidenciada.
              Segundo os PCN+, a definição para leitor, “no sentido pleno da palavra, está ligada aos domínios: do código (verbal ou não) e suas convenções; dos mecanismos de articulação que constituem o todo significativo; do contexto em que se insere esse todo” (BRASIL, 2002, p. 62). Baseando-se na definição de leitor proficiente e de letramento segundo Soares (2012), verifica-se que algumas habilidades não foram consideradas nesta definição.
              Todavia, a obrigatoriedade da escola para com o processo de letramento dos seus alunos, encontra-se fortemente evidenciado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96) e na função social atribuída à escola, quando asseguram que a educação básica tem por finalidade, o desenvolvimento do educando para o pleno exercício da cidadania, entendendo aqui que, sem o letramento, esse direito não lhe será assegurado.
              Partindo desse pressuposto, e de que o ensino deve ser ministrado de forma interdisciplinar, alicerçado em princípios que garantam a igualdade de condições, o pluralismo de ideias, o respeito à liberdade e o apreço à tolerância, todas as disciplinas devem estar direcionadas à formação desses alunos enquanto sujeitos de direito.



3. A Literatura e a sua Função Social

              A literatura enquanto recriação subjetiva da realidade, das ações, reações e visões humanas, representa a complexidade do real, embora este não seja o objetivo de quem a produz. Por isso, não raro, a ficção propicia o refletir sobre determinadas temáticas ou contextos vivenciados pela sociedade.
              Cosson (2011), ao abordar a leitura da literatura, adverte que a mesma não pode ser realizada na escola de forma assistemática ou por mera fruição, pelo contrário, afirma que a leitura deve ser organizada conforme “os objetivos da formação do aluno, compreendendo que a literatura tem um papel a cumprir no âmbito escolar” (COSSON, 2011, p. 23).
              Dessa forma, o autor atribui à literatura uma função social, o que subentendemos como um elemento de formação, o qual auxiliará os alunos (leitores) na formação do hábito da leitura, na forma como pensar o mundo e vivê-lo. Por isso, segundo ele, não podemos ter uma visão sacralizadora da literatura, pois mais atrapalha do que ajuda; tornando-a inacessível e distante do aluno. “Ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os sentidos são resultados de compartilhamento de visões do mundo entre os homens no tempo e no espaço” (COSSON, 2011, p. 27).
              Com estas possibilidades, a literatura poderá nos processos de leitura literária, ser aliada dos temas transversais, ou quem sabe, tematizar práticas interdisciplinares, já que, na sua complexidade, não pode se colocar separada, distante dos demais conteúdos e disciplinas do currículo escolar.
              Nesta perspectiva, é que a Lei 10.639/2003, ao modificar a Lei 9394/96, acrescentando o Artigo 26-A, incluindo a obrigatoriedade no ensino básico sobre a História e Cultura Afro-Brasileira, em seu parágrafo segundo normatiza: “Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras” (Brasil, 2003). Embora vá de encontro ao pensamento dos defensores da produção literária apenas como arte, cujo objetivo não exceda à fruição, o prazer estético, verifica-se aqui uma função social para o ensino da literatura nas escolas, visto que a sua própria escolarização já anula a sua exclusividade para a fruição.

A literatura por meio de sua linguagem ficcional pode ser utilizada de maneira positiva para uma releitura da realidade, uma crítica de situações preconceituosas, permitindo ao professor trabalhar com o imaginário da criança e/ou adolescente, de modo a fazê-lo refletir sobre sua maneira de se ver e ver o outro (MOREIRA, 2011, p. 01).

              Este pensamento também é endossado por Goulart (2003) ao declarar que “a literatura pode nos levar a mudança e a transformações pelas reflexões que provoca em nós, pela sua ação no nosso modo de pensar”. Para o contexto vivenciado hoje socialmente, no qual há uma abertura em prol da legitimação dos direitos, formação plena para a cidadania, pautando-se no protagonismo juvenil, a leitura literária pode abrir caminhos para essa efetivação. No entanto, é necessário não a utilizarmos como um fim, o que assassinaria a literariedade do texto.
              Para essa prática, uma das propostas viáveis seria a aplicabilidade das sequências expandidas elaboradas e apresentadas por Cosson (2011), cuja preocupação consiste na exploração de obras literárias, aliando à fruição a análise literária, o que segundo ele, consiste na verdadeira “leitura literária”.
              O estudo das literaturas afro-brasileira e africanas nesse sentido, endossará e tirará do quadro das ações esporádicas nas escolas, a prática de combate ao racismo, ao preconceito, muitas vezes velado, existente na sociedade brasileira.
              Apesar de não se constituir em uma temática recente, considerando que a Lei 10.639/2003 está prestes a completar dez anos, ainda existe uma discussão sobre o que vem a ser a literatura afro-brasileira, havendo dois posicionamentos distintos, sendo necessário explaná-los para melhor entendimento do presente texto.
              Duarte (2010), em seu artigo “Por um conceito de Literatura Afro-Brasileira”, explana que há uma discussão em torno dos conceitos de literatura negra e literatura afro-brasileira. Segundo ele, a organização Quilombhoje, de São Paulo, reunida com grupos de escritores de outros estados como Salvador, Rio de Janeiro, Porto Alegre e outras capitais, responsável pela publicação dos Cadernos Negros, cujas produções são marcadas pela militância ao movimento negro e resistência ao racismo, consideram como literatura negra, aquela produzida por autores negros, os quais tematizem sobre questões afros, tais como racismo, religião, militância vinculada ao movimento negro.
              O autor apresenta outra concepção, segundo ele, defendida por Damasceno (1988), ao qual a autora classifica como literatura afro-brasileira a produção literária que apresenta a temática afro, independente do grupo étnico representado pelo autor.
              No mesmo tratado é apresentada ainda, a concepção definida por Bernd (1987;1988) para quem a literatura afro-brasileira não se atém à cor da pele do escritor, mas à enunciação do ponto de vista do pertencimento; a concepção definida por Lobo (2007), a qual considera como literatura afro-brasileira a produção de escritores afrodescendentes assumidos como tal, excluindo dessa classificação a produção literária de autores brancos cuja temática referente ao negro apresente visões temáticas ou personagens estereotipados.
              Para esta análise, consideraremos como literatura afro-brasileira a produção literária de autores que, independente do grupo temático pertencente, assumam uma temática e enunciação do ponto de vista do pertencimento, conforme afirma Duarte:

Uma literatura empenhada, sim, mas num projeto suplementar (no sentido derridiano) da literatura brasileira canônica: o de edificar uma escritura que seja não apenas a expressão dos afrodescendentes, enquanto agentes de cultura e de arte, mas que aponte o etnocentrismo que os exclui do mundo das letras e da própria civilização.

              Quanto à literatura africana mencionada aqui, trata-se da produção literária em língua portuguesa de escritores africanos.
              Em relação ao ensino destas literaturas na escola, entende-se que subsidiará discussões sobre a condição dos negros na sociedade brasileira, enfocando as condições como chegaram a este país, como foram tratados no decurso da história e como são vistos hoje num país em que constituem a maioria da população. Para endossar esta afirmação, reforçamos Rosa e Backes quando afirmam:

A aplicação desta lei (10.639/2003) nas escolas regulares, traz à tona a necessidade de se fazer uma nova abordagem do ensino da literatura e cultura africana e afro-brasileira, e poderá dar-se na escola, nova significação ou ressignificação à História Brasileira e sobretudo a História Africana, que até então tem sido desconhecida, ignorada, desvalorizada ou tratada a partir de uma única perspectiva, ou seja, a perspectiva dos colonizadores (ROSA; BACKES, 2011, p.3).

              A temática é atual e por se constituir em uma problemática social, tende a despertar a atenção dos jovens para os momentos de leitura, discussão, processos essenciais na formação humana.

4. Análise e considerações sobre as Literaturas Afro-brasileira e Africanas no LDP para a 3ª série do Ensino Médio

              Para iniciar a análise dos LD, corpus desta pesquisa, se fez necessário verificar inicialmente como a literatura é apresentada pelos autores, qual a conceituação atribuída à literatura e à literatura afro-brasileira. Objetivando otimização da escrita e evitar repetições, utilizaremos os seguintes códigos para os livros analisados: Linguagem em Movimento de Carlos Cortez Minchillo e Izeti Fragata Torralvo (LDP1); Português Linguagens, de Thereza Cochar Magalhães e William Roberto Cereja (LDP2), esclarecendo que não há nenhuma exclusividade ou teor de classificação em relação à numeração atribuída.
              Para observar as conceituações sobre literatura se fez necessário uma rápida análise dos LDP destas coleções destinados à primeira série do ensino médio, visto que neles encontraríamos tais informações necessárias à contextualização do trabalho.
              No LDP1, as unidades encontram-se organizadas por temas, nos quais há logo no início uma apresentação sobre o tema da unidade, geralmente explanando-o através de textos literários. A seguir vem a parte destinada à Literatura, seguida da Interpretação e Estudo da Língua e Produção de Textos. Cada unidade é encerrada com uma bateria de exercícios objetivos, questões de vestibulares relacionados aos conteúdos ali estudados.
              O estudo da literatura segue a ordem dos períodos literários e em nota inicial, os autores dirigem-se aos estudantes afirmando que o estudo da literatura alargará os seus horizontes fazendo-os viajar no tempo e no espaço pelos mais diversos contextos socioculturais. Mencionam que o conhecimento dos textos literários é para os alunos, mais que uma obrigação, consistindo numa oportunidade para repensarem a realidade, os valores e os pontos de vista por eles apresentados/vivenciados.
              O livro não apresenta um conceito pronto para literatura, sintetiza o conteúdo informando que este conceito depende de muitos aspectos e que, por isso, “não importa estabelecer uma definição categórica, mas saber reconhecer os traços principais que caracterizam as produções textuais consideradas literatura em nossa sociedade” (TORRALVO; MINCHILLO, 2010a, p. 28).
              No LDP2, os autores trazem uma introdução (vol. 01) com o título: “Leitura – Prazer”, cujo propósito é motivar os alunos à formação do hábito de leitura de textos literários.
              A estrutura dos livros da presente coleção é a disposição dos conteúdos em unidades, subdivididas em capítulos direcionados a: Literatura, Produção de Texto, Língua: uso e reflexão. Cada unidade possui vários capítulos e são fechados com a proposta de um projeto voltado para os conteúdos estudados em literatura e que consiste em atividades diferenciadas para serem realizadas coletivamente pelos alunos, envolvendo a prática da leitura e a produção escrita.
              Os autores também não apresentam um conceito determinado para literatura. “Não existe uma definição única e unânime para literatura. Há quem prefira dizer o que ela não é. De qualquer modo, para efeito de reflexão, é possível destacar alguns dos aspectos que envolvem o texto literário do ponto de vista da linguagem e do seu papel social e cultural” (CEREJA; MAGALHÃES, 2010a, p. 18).
              Em nota inicial, os autores explicitam aos estudantes sobre a importância do estudo da linguagem ou das linguagens no mundo contemporâneo, em movimento e transformações constantes. Mencionam o diálogo necessário com outras culturas e artes, ressaltando a importância da análise desse diálogo que a literatura brasileira estabeleceu com outras literaturas, bem como o que se estabeleceu entre as literaturas africanas de língua portuguesa e a literatura brasileira.
              O LDP1 destinado à terceira série do ensino médio traz na abordagem da literatura o estudo sobre o Pré-Modernismo, o Modernismo (1ª, 2ª e 3ª fase) e a Literatura Contemporânea trazendo na introdução temática das unidades a ligação do tema abordado com produções literárias de séculos distintos.
              Iniciando a unidade 01 (um), o livro traz como tema da unidade: “Os diversos Brasis”, no qual comenta os diversos contrastes sociais que têm marcado historicamente a nação brasileira, percebe-se aqui uma abertura propícia para uma discussão sobre o preconceito racial existente no Brasil, país em que a maioria da população, se considera negra ou parda, no entanto o mesmo não é mencionado. Entre os contrastes são citados: a pobreza e a riqueza, o desenvolvimento e o atraso, a abundância de recursos e a estagnação econômica, o acesso à educação e a exclusão cultural.
              Na parte destinada à Literatura, na mesma unidade já citada, a produção literária é mencionada como um produto das situações vivenciadas na época, havendo primeiro, uma contextualização sobre o Rio de Janeiro no início de sua formação e a iniciativa de modernizá-lo. A seguir, os autores mencionam a crônica como um gênero textual que “trata de assuntos do cotidiano das pessoas: uma situação embaraçosa, um problema social, uma profissão etc.” (p. 15), utilizando um fragmento da crônica “Vida urbana” do escritor Lima Barreto. É solicitado aos alunos que observem a análise desenvolvida pelo autor sobre a cidade.
              Os exercícios que se seguem, voltados para a exploração deste texto, limitam-se às características da cidade retratadas naquele momento e a identificação se a crônica é argumentativa ou poética, solicitando uma resposta com argumentos. Isto demonstra uma preocupação em dar relevância ao trabalho com a diversidade dos gêneros textuais, tão exigida na atualidade.
              A unidade apresenta os escritores pré-modernistase obras produzidas por eles. Ao falar de Lima Barreto, traz a informação de que ele sofreu preconceitos raciais na Escola Politécnica, o que o tornou retraído, isolado, rejeitado pelos colegas e até perseguido por alguns professores. O livro não menciona que Lima Barreto é considerado um escritor de Literatura afro-brasileira.
              Quanto a Euclides da Cunha, os autores enfatizam sobre a sua obra “Os Sertões”, focalizando que na parte “O homem”, o escritor adotou teorias raciais (grifo dos autores), cuja crença era de que os não brancos eram raças inferiores, segundo eles, teorias aceitas naquela época.
              O mesmo ocorre com a descrição de Monteiro Lobato, numa rápida abordagem os autores mencionam a obra Urupês ressaltando a repercussão que obteve na época devido à caricatura do caipira representado no conto com o personagem Jeca Tatu.
              Não será descrito aqui a forma como a literatura é trabalhada nas demais unidades deste livro, tendo em vista que o nosso interesse é verificar a abordagem da literatura afro-brasileira e literaturas africanas, não sendo estas mencionadas em nenhuma delas. A forma como a literatura encontra-se neste volume está mais centrada no ensino da literatura do que na sua leitura, embora os autores, nas anotações para o professor, em encarte ao final do livro, afirmem que “as características do movimento e as informações históricas são apresentadas não como o material de memorização, mas como subsídio para a compreensão e fruição dos textos, que devem ser o centro dos estudos de Literatura” (encarte, p. 21).
              Reforçam que, nas aulas de literatura, o mais importante é “reservar tempo para a fruição” (informando que a fruição está relacionada ao entendimento do texto) e incentivo ao estabelecimento de relações de sentido entre o texto e a vida/interesse dos alunos, situações do mundo contemporâneo e com outras manifestações artísticas do momento atual ou, já decorrido. Os autores afirmam também que procuraram atender as Orientações Curriculares para o ensino Médio, todavia este documento traz em seu bojo a seguinte afirmação:

A prática escolar em relação à leitura literária tem sido a de desconsiderar a leitura propriamente e privilegiar atividades de metaleitura, ou seja, a de estudo do texto (ainda que sua leitura não tenha ocorrido), aspectos da história literária, características de estilo, etc., deixando em segundo plano a leitura do texto literário, substituindo-o por simulacros, como já foi dito, ou simplesmente ignorando-o (BRASIL, 2008, p. 70).

              Esta dissonância entre o que está produzido no LDP1, não indica desatualização por parte dos seus autores, ou desinteresse por um ensino de literatura mais centrado na leitura literária, pelo contrário, demonstra o quão desafiador é o processo de escolarização da literatura e da elaboração de material didático escolar. Lembrando que esta dificuldade encontra-se no próprio GUIA PNLD 2012, o qual consta em seus critérios avaliativos essa correspondência entre Literatura e história.
              O LDP2, volume 03 (três), também traz como conteúdo em Literatura o Pré-Modernismo, o Modernismo (1ª e 2ª fase) e a Literatura Contemporânea. No início do conteúdo sobre o Modernismo e sobre a Literatura Contemporânea, os autores fazem um breve comentário apresentando uma lista de vídeos, livros literários, músicas, artes plásticas e sites que podem contribuir com a ampliação dos conhecimentos dos alunos e contextualização dos assuntos que serão trabalhados nas unidades e capítulos posteriores.
              No capítulo 01 (um), Unidade 01, ao apresentar os pré-modernistas, os autores iniciam explanando sobre as estéticas literárias, as novidades observadas nas obras dessa fase considerada de transição e traça diálogos com outras obras produzidas em outras literaturas. Mencionam produção teatral, filmes e fatos sociais a época e de outros momentos que tenham relação às temáticas abordadas. Não enfatizam a literatura a partir do contexto histórico.
              Este capítulo também informa sobre a condição de discriminado do escritor Lima Barreto, devido a sua etnia, frisando que em suas produções consta o combate ao preconceito racial.

Lima Barreto foi um dos poucos em nossa literatura que combateram o preconceito racial e a discriminação social do negro e do mulato. Essa abordagem está presente, por exemplo, nos romances Clara dos Anjos, Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá e no quase autibiográficoRecordações do escrivão Isaías Caminha (p. 18).

              A explicação porém, não volta a falar sobre isso, ou motivar os alunos a realizarem a leitura dos livros mencionados. A seguir, os autores abordam sobre o livro Triste Fim de Policarpo Quaresma.
              No capítulo 10 (dez), Unidade 01 (um), dedicado à mostra de diálogos entre as obras de arte de diferentes espaços temporais, há a seguinte proposta: “Diálogo da poesia de Manuel Bandeira com a literatura africana”, na qual os autores declaram que “a literatura brasileira de diferentes épocas tem sido fonte de inspiração para muitos escritores africanos de língua portuguesa”. Sugerem, portanto, que os alunos leiam dois poemas citados (Vou-me embora pra Pasárgada de Manuel Bandeira e Antievasão de Ovídio Martins), observando o diálogo efetivado entre o modernista brasileiro e o poeta cabo-verdiano (p. 126).
              Após os poemas, o livro traz exercícios de leitura e interpretação, analisando-os separadamente. Desta forma, as questões de 01 a 04 referem-se ao poema de Manuel Bandeira; as de 05 a 07, ao poema de Ovídio Martins.
              Conforme análise, as questões estão mais voltadas ao valor semântico das palavras no texto, usos linguísticos, cujas respostas exigem mais uma marca objetiva do que subjetiva. Colomer (2007) considera essa característica, segundo ela asséptica, como uma das responsáveis pela dificuldade dos alunos entenderem “a aula de literatura como um espaço onde se questiona, dialoga e enriquece o mundo individual”. A autora reforça ainda, que isso faz com que alguns adolescentes vejam a literatura apenas como uma “matéria” escolar, quando na verdade, encontram-se em uma fase que esperam ansiosos por aquilo que a leitura poderá lhes oferecer. “Quando se lhes assegura que ler é prazeroso e interessante, provavelmente os alunos acreditem... apenas já decidiram que pode ser para os outros, mas que a literatura não serve para eles”(grifos da autora) (COLOMER, 2007, p. 64).
              Em um quadrinho ao lado, na mesma página dos exercícios (p. 129), consta a informação de que os escritores cabo-verdianos Osvaldo Alcântara e Baltazar Lopes, também escreveram cinco poemas a partir de “Vou-me embora para Pasárgada”, apresentando um minúsculo fragmento de um deles.
              O capítulo 10 (dez) da Unidade 02 (dois), aborda sobre o “Panorama das literaturas africanas de língua portuguesa”, onde apresenta uma explanação sobre a história e a formação destas, mais especificamente dos países: Angola, Moçambique e Cabo Verde.
              O capítulo mescla a história da literatura com a exploração de alguns textos e fragmentos em atividades de interpretação. Nestas, também há uma junção da análise linguística e interpretação textual, o que contraria a visão de que o leitor necessita de mais liberdade para interpretar os textos que lê (Cosson, 2011). As questões direcionam as respostas que devem ser dadas pelos alunos, uma vez que exploram informações explícitas. Os textos utilizados são do angolano Maurício Gomes (poema), do moçambicano Mia Couto (conto) e do cabo-verdiano Onésimo Silveira (poema). Todavia, os autores do LDP não os apresentam aos alunos, algo necessário, tendo em vista que há uma possibilidade não remota, de que por se tratar de literaturas, que até recentemente não faziam parte do conteúdo curricular de muitas universidades, o número de professores que os desconhecem pode ser significativo. RANGEL (2007, p. 143) frisa a importância dessa informação nos LDP:

O complexo mundo de autores e obras que uma certa ordem cultural consagrou como literários deverá ser lembrado a todo momento, a começar pelas obras e pelos autores dos excertos que figuram no próprio LDP. Saber quem são, como se inserem numa determinada tradição, como foram ou como são vistos pelos seus contemporâneos é um dos aspectos necessários a um tratamento didático mais adequado do texto literário.

              Ideia compartilhada por Cosson (2011, p. 60), o qual entende a importância da biografia do autor, desde que não se transforme em “longa e expositiva aula sobre a vida do escritor” declarando que estas informações são um dos contextos que “acompanham o texto”. Ao final do capítulo são disponibilizados os endereços de alguns sites que os alunos e professores podem acessar para terem acesso a um maior número de textos de autores africanos. Neste espaço não explicita, mas pode ser que nestes endereços possam ser acessadas informações interessantes sobre os autores dos textos apresentados e de outros que foram apenas mencionados, dependendo assim, da atuação do professor em acessar e incentivar o acesso a essas informações.
              O capítulo seguinte (11), sob o título de “Diálogos” traz como tema: “Diálogo entre o romance brasileiro de 30 e as literaturas americana e africana”, cuja explanação consiste em três fragmentos de romances, sendo: Hora diBai, do escritor Manuel Ferreira, cujo enredo narra o drama da seca em Cabo – Verde e como consequência, grande migração do seu povo para as ilhas vizinhas; As vinhas da ira, do escritor americano John Steinbeck, o qual também retrata a migração da população nos Estados Unidos durante a Depressão americana; Os Corumbas, do escritor brasileiro, Amando Fontes, em cujo enredo retrata a migração dos sertanejos sergipanos para a capital, descrevendo as dificuldades enfrentadas e as explorações destes pela indústria têxtil.
              Os fragmentos apresentados possuem uma forte relação, embora sejam apenas excertos, tecem curiosidades sobre a obra em sua totalidade. Nos três textos, há um pequeno quadro trazendo breves considerações sobre seus autores, inclusive apresentando a capa das obras “Hora diBai” e “Os Corumbas”.
              A essa estratégia Cosson (2011) atribui o nome de “expansão”, ou seja, a extrapolação da leitura de uma obra, observando o diálogo com outras (intertextualidade), sendo anteriores ao seu tempo ou contemporâneas a ela. Cosson valoriza a expansão como uma ótima oportunidade de efetivação de relações entre os textos e leitura de várias obras no processo de letramento literário, sugerindo como culminância, a realização de uma feira literária.
              As atividades de estudo dos textos estabelecem relações entre os mesmos, favorecendo a discussão sobre a temática presente no romance brasileiro da década de 1930 e como os escritores africanos de língua portuguesa foram influenciados pelos escritores brasileiros.
              Uma atividade interessante proposta neste livro encontra-se na parte destinada ao projeto, localizada na seção denominada “Intervalo”, presente ao final da unidade 02 (dois), cujo título é “Diálogos negros: Nordeste do Brasil e África”. A orientação é que os alunos pesquisem na internet, em livros e outras fontes sobre autores brasileiros que retrataram a presença negra na região nordestina e façam uma coletânea de poemas e textos em prosa. A proposta se estende também à pesquisa sobre escritores africanos de língua portuguesa que tenham afinidade com as temáticas abordadas pelos escritores brasileiros nas décadas de 1930 e 1940. Após essa pesquisa, os alunos deverão organizar uma mostra ao público (p. 245).
              Percebemos nesta seção, aquilo que Cosson (2011) propõe como uma das atividades mediadoras no processo de leitura literária e que atribui essa mesma nomenclatura “Intervalos de Leitura”, cujo objetivo é estabelecer uma relação dialógica entre os alunos e os textos, entre os textos lidos em sala e outros dos mais variados gêneros, que circulam socialmente.

Buscamos de forma intencional trazer a leitura de textos diversificados para os intervalos a fim de mostrar ao professor que não há limites ou imposições rígidasna seleção de textos. Mais que isso, é preciso compreender que o literário dialoga com outros textos e é esse diálogo que tece a nossa cultura. Por essa razão, é papel da escola ampliar essas relações e não constrangê-las. Embora não seja o único momento para o estabelecimento desse diálogo ao longo do processo de letramento literário, os intervalos podem e devem ser usados para cumprir tal objetivo (COSSON, 2011, p. 83).



Ao adotar essas variações nas aulas, os autores contribuem com o gosto pela leitura e disseminação do mesmo através das mostras literárias, por exemplo, que sempre motivam e produzem encantamentos, convidando mais pessoas à leitura por fruição e, mais que isso, mostrando que a fruição é viável e possível e que nesse processo também se formula conceitos, muda de opiniões e forma o senso crítico. “É útil pensar a educação literária como uma aprendizagem de percursos e itinerários de tipo e valor muito variáveis. A tarefa da escola é mostrar as portas de acesso. A decisão de atravessá-las e em que medida depende de cada indivíduo” (COLOMER, 2007, p. 68).

Considerações Finais

              Ficou evidenciado através da pesquisa realizada, que o ensino da literatura, assim como a elaboração de materiais didáticos consistem em um grande desafio para professores, especialistas e editoras. Quando se alia esse ensino a uma forma mais complexa de letramento literário, atribuindo-lhe uma função que vai além da fruição, utilizando a leitura literária como um instrumento de formação de leitores críticos e proficientes, o quadro se torna mais denso.
              Nesse contexto é que a aplicabilidade da Lei 10.639/2003 tem encontrado dificuldades nos LDP direcionados ao ensino médio, como constatado nos livros aqui analisados.
              Vimos que em um deles (LDP1), não há sequer uma menção sobre as literaturas afro-brasileira e africanas, considerando que apenas o fato de citar que determinados escritores sofreram preconceito racial não se caracteriza como aplicabilidade da referida lei; o segundo livro analisado (LDP2) já demonstra preocupação em apresentar aos alunos tais literaturas, efetivando diálogos entre elas e a literatura brasileira em geral.
              No entanto, nota-se ainda a dificuldade em propor a leitura literária de forma mais desprendida do uso da língua e contextos históricos, fator que se justifica até mesmo na observação da ficha avaliativa do Guia PNLD/2012 na qual se exige que os livros favoreçam a compreensão do processo histórico da literatura, estabeleçam relações entre o texto literário e o contexto histórico, social e político de sua produção. O guia também exige que os livros favoreçam a fruição estética e apreciação crítica da produção literária, o que denota a proposição de estudar a literatura desenvolvendo concomitantemente a leitura literária.
              Apesar das barreiras encontradas, é necessário que os autores de LDP continuem investindo numa prática de favorecimento da aplicabilidade da Lei 10.639/2003 nas aulas de literatura, não simplesmente para que a lei seja cumprida, mas de forma que, através da leitura literária mediada pelo gosto, possa também estar a serviço da formação de pessoas capazes de exercerem a cidadania plena na sociedade, o que repercute em respeito, tolerância e valorização das diferenças, senso crítico e capacidade de responder às necessidades sociais da utilização das práticas de leitura e escrita.

Referências

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BACKES, José Licínio; ROSA, João Martos. O ensino da Literatura Africana na Educação Básica: observações iniciais. In: IV Seminário Povos Indígenas e Sustentabilidade: saberes tradicionais e formação acadêmica. Campo Grande/MS, 2011. Disponível em:http://www.neppi.org/eventos/4sustentabilidade/simposio3.htm. Acessado em 12 abr. 2012.
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________. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais + ensino Médio: Orientações Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002.
________. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Secretaria de Educação Básica. Brasília, 2006.
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CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português Linguagens. vol 01. 7 ed., reform., São Paulo: Saraiva, 2010a.

_______. Português Linguagens. vol 03. 7 ed., reform., São Paulo: Saraiva, 2010b.

COLOMER, Teresa. Andar entre livros:a leitura literária na escola. Tradução Laura Sandroni, São Paulo: Global, 2007.

COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Tradução de Laura Taddei Brandini. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2011.
COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. 2. ed., São Paulo: Contexto, 2011.
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GOULART, Cecília. Letramento e leitura da Literatura. Boletim Salto para o Futuro, TV Escola, maio, 2003.
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RANGEL, Jurema Nogueira Mendes. Leitura na escola: espaço para gostar de ler. Porto Alegre: Mediação, 2005.
RANGEL, Egon, de Oliveira. Letramento Literário e Livro Didático de Língua Portuguesa: “Os amores difíceis”.In: PAIVA, Aparecida et al. (Orgs.). Literatura e letramento: espaços, suportes e interfaces – o jogo do livro. Belo Horizonte: Autêntica/Ceale/FaE/UFMG, 2007, p. 127 – 145.
SOARES, Magda. Letramento:um tema em três gêneros. 3 ed., Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.



Sociedade da Informação e Comunicação

ARAUJO, Rubenilson Pereira de*

(Mestre em Ensino de Língua e Literatura pela UFT - professor efetivo da rede pública estadual de ensino, no Instituto Tocantinense Presidente Antônio Caros (ITPAC, campus de Porto Nacional) e professor substituto da UFT/Curso de Letras, campus de Porto Nacional-TO)

“Se agente não se apressa e transforma o mundo, logo o mundo transforma a gente” (Mafalda, personagem de Histórias em quadrinhos desde a década de 1960.)


O escritor neo-modernista inglês George Orweel (1903 - 1950) em seu romance ficcional denominado “1984” tenta retratar ainda no ano de 1948 as profecias de um novo mundo imaginário totalmente dominado pelas tecnologias. O grande irmão (o Big Brother[1]) se instalaria nos lares e todas as intimidades seriam monitoradas, onde o Estado (sob o regime totalitarista) teria o poder de restringir a liberdade dos cidadãos a ponto de controlar a sua liberdade de pensar, podando a privacidade das pessoas. Embora se trate de ficção, é importante analisar o que se vivencia de fato atualmente.
Nosso risco, hoje, neste inicio do Século XXI, não é bem a tecnologia e seu terrorismo dominador, (...) mas os terremotos e os furacões; as fugas em massa de perseguições entre etnias, as violências dos fundamentalismos religiosos aos massacres de minorias, as desnutrições endêmicas às dizimações advindas da Aids e do desemprego estrutural. Aí está o terrorismo de nosso mundo. Terrorismo brando que não tem culpados nem líderes explícitos e que não tem território que os presidentes dos EUA possam bombardear. (ALMEIDA, 2009, p. 9-10).

Ainda na década de 60, o filosofo e educador canadense Herbert Marshall McLuhan (1911-1980) criou a expressão “aldeia global” para exprimir os movimentos de inter-relação que poderiam ligar os diferentes povos do planeta. Entretanto, o


[2] “A rede Globo, debochando desta espécie de profecia de Orwell , criou seu Big Brother que, metaforicamente, permitiu que fôssemos nós, os telespectadores, os controladores 24h por dia, da vida íntima dos artistas globais ou dos candidatos a” (ALMEIDA, 2009, p. 9).

significado dessa expressão não foi compreendido, e muitos rotularam a frase proferida de visionária.
Uma caracteristica forte dessa nova Sociedade do Conhecimento é o fato de que atualmente a perspectiva é de “superar a idéia de produção individualista”. Além disso, essa nova sociedade despe-se do perfil individualista no tocante à leitura e produção textual, onde na internet, segundo as seguintes autoras:
 O texto publicado pode ser revisitado, revisado e ampliado pelo autor, conforme necessidades internas e demandas externas e o resultante é obra não mais de um autor solitário, mas da intervenção de muitos outros, gerada a partir da compreensão do que foi colocado. (...) a escrita, através do virtual, se dá mediante um processo peculiar de conversação interativa (MAGDALENA & COSTA, 2003; p. 62-63).

Segundo entrevista com a escritora Andréa Ramal a Renato Deccache sobre a Escola do Futuro – um novo perfil para o professor na era digital, “a escola não será mais a mesma depois da relação das pessoas com o conhecimento através dos meios digitais” (RAMAL, 2003, p. 20).
 Como cidadãos dessa Sociedade do Conhecimento, torna-se necessário, portanto, abrir mão de uma cultura isolada, local e segregacionista, e possibilitar-se ao novo; ao mundo heterogêneo, à aquisição de informações ricas de diversidade cultural e assim interagir com o cidadão universal na construção da "aldeia global".
               Necessita-se, portanto, imunizar de todas as formas de xenofobia; dizer "não" ao ufanismo exarcebado e nacionalismo exagerado (os quais limitam e excluem) e como já cantava no século XX, o cantor e compositor brasileiro Raul Seixas (1945 – 1989), o refrão da música Sociedade alternativa[2] - "Viva! Viva! Viva A Sociedade Alternativa (Viva! Viva!)” ·
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Fernando José de. Educação e Informática – Os computadores na escola. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2009.

MAGDALENA, Beatriz Corso & COSTA, Íris Elisabeth Tempel. Internet em sala de aula – com a palavra, os professores. Porto Alegre: Artmed, 2003.

ORWELL, George. 1984. Trad. Wilson Velloso. Original “Nineteen eighty-four”, Companhia Editora Nacional, 1984.

RAMAL, Andréa. Ler e escrever na cultura digital (24 05 2005) - Autoria de Andrea Cecilia Ramal. Disponível em http://www.nead.fespmg.edu.br/mambo/index2.php?option=content&do_pdf=1&id=129 Acesso em 12 ago. 2009.
[1]Sociedade Alternativa (canção composta pelo próprio Raul Seixas na década de 70) e faz parte de uma filosofia, defendida pelo mesmo, baseada nos Escritos do ocultista Aleister Crowley e sua Lei de Thelema: ‘Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei”



QUERO GRITAR ENQUANTO A NOITE NÃO CHEGA


Devo confessar que meu passado é mudo, mas não permitirei que continue assim. Há uma necessidade, preciso gritar ao mundo, preciso anunciar: Existo. Devo dizer palavras mesmo que sejam incógnitas, enquanto houver luz, pois chegará o dia em que a noite virá, e nesse dia terei que calar-me. A alienação me manteve cativa até ontem. Hoje, vejo o raiar da aurora de um novo dia, de um novo tempo. Anunciarei mesmo que tapem os ouvidos, não medirei palavras porque os atos precisam fazer jus a elas. De que valem as palavras sem os atos?
            Meu mundo desmoronou, a casa caiu, estou assim: em pé, descalça, roupas em farrapos, olhando o horizonte, pois ele me espera. É o reflexo do que fui, mas que hoje não sou. Desprovi-me de todo sentimento anterior. Olho ao longe... Puxo o ar e sinto-o renovado, leve: novos sentimentos, novas paixões, novos motivos, novas buscas. Sou cidadã, sou brasileira, estou pronta. Empunharei a “espada”, levantarei a bandeira da justiça social, dos direitos humanos. Aquela Margarete morreu. Mal consigo recordar-me: acordava, levantava-me, corria para o banho, penteava os cabelos, não olhava no espelho, pois os olhos me condenariam. Tomava café, lia o jornal, quantas notícias horrendas. Cruzava os braços. Pouco depois estava eu na garagem, ligava o caro, ligava o rádio, outras más notícias. Pensava... Não posso fazer nada, quem sou eu! Além de considerar-me ninguém, lembrava-me do dito popular: uma andorinha sozinha não faz verão. Seguia em frente, o carro a guiar-me, as ruas a me olharem. Chegava ao destino, não estacionava, pois o veículo se encarregava de realizar mais essa tarefa. O limpo pensamento não me permitia ver além das escadas, da mesa, da cadeira, do computador. Sentava-me e navegava por alguns minutos verificando o que havia de ofícios via Email, Gmail, etc. Só realizava os trabalhos que me eram exigidos. Não me incomodava se um pai de família ficava desempregado a fim de que a empresa em que eu trabalhava obtivesse mais lucros. Entendia que a vida é assim: uns perdem para que outros ganhem, não é possível fazer nada, garantir o meu emprego era tudo que me importava fazer, pensava. Minha despensa precisava estar farta, os meus filhos tinham direito a uma escola particular, pois é nesta, que o ensino é bom e não me importava se quem estava ao meu lado tinha as mesmas condições. Se não, que lutasse para conquistar seu espaço. E, enquanto isso fechava os olhos e pensava: faço tudo que o chefe mandar, não me importa se certo ou errado, essa é a minha obrigação, esse é o meu destino. Mas pairava no ar uma estranha necessidade de sentir-me alicerçada e forte. Porem, na minha vida não havia espaço para que eu sentisse vontade própria.
            Costumeiramente, a função exigia que eu fosse a outras repartições, em outras empresas e até mesmo em instituições filantrópicas e, numa destas, em um determinado dia, ao entrar, meus olhos viram o que sempre se recusaram ver. Era uma aparição, só para mim. Numa cadeira especial estava um homem em que o simples fato de levar o alimento à boca estava na dependência de outras pessoas. Davam-lhe comida naquele momento. Parei, suei frio, o coração bateu forte, as pernas ficaram trêmulas. Olhei mais uma vez, apenas seus olhos se mexiam, mas um sorriso se abriu para mim. Perplexa, gritei silenciosamente: porque sorriu para mim, Por quê? Porque logo para mim, uma desgraçada que só enxerga o que me importa enxergar?
            Felizmente o bem fora feito. Uma revolução estava prestes a acontecer. Finalmente a percepção das coisas. Um tetraplégico que, mergulhado em um mundo de profunda vontade de viver, rira para mim; me aqueceu o coração, me impulsionou para a vida, me abriu os horizontes da solidariedade. Arrebentou torrentes dentro de mim. Caí numa compaixão dolorosa. Mantive-me por tanto tempo de olhos vendados para que o meu mundo não desmoronasse, para que a casa não caísse, e o telhado de vidro não quebrasse, mas tudo isso já estava a acontecer. Ali, parada, mantive-me muda tanto quanto me mantivera muda para a vida. Olhei em torno, pessoas me olhavam querendo entender os sintomas do meu rosto. Dei meia volta e saí com meus pensamentos, agora sujos de náusea, de nó na garganta, só em pensar na existência de outros seres humanos em situação ainda pior. Aquele homem tivera a sorte de encontrar criaturas não miseráveis quanto eu, entretanto, em outras partes, homens passam fome, perdem suas casas, tiram-lhes a vida, crianças vivem num mundo sombrio e frio, pois são abusadas sexualmente, são espancadas, outras simplesmente não têm um padrão de vida a seguir, não conhecem os valores primordiais da vida porque não têm quem os ensinem, não passam fome, mas esperam inquietas por carinho, afeto e amor.
            Fui transformada em um ser em decomposição e me refiz do pó. Compreendi que uma andorinha pode buscar a companhia de outras e, em bando, cortando o horizonte, podem construir muitos sois...

Reni Gomes Costa é escritora, Licenciada em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Professora e exerce, atualmente, a função de Técnica de Educação de Jovens e Adultos na Diretoria Regional de Ensino de Porto Nacional (TO).


EDUCAÇÃO: CAMINHO DE VITÓRIA

A convivência escolar é marcada por acontecimentos exitosos, conflitantes e divergentes, mas ao mesmo tempo estas situações mesmo não sendo satisfatórias contribuem para uma reflexão permanente e fortalecimento das experiências profissionais e pessoais.
A trajetória educacional de profissional da educação, dos alunos e pais é recheada de histórias, que envolvem costumes, culturas, expectativas, sonhos, passado, presente e projeções para o futuro.
Precisa-se ter consciência do nosso papel enquanto educadores e formadores de opinião, envolvidos com o seu meio, tendo como principal legado a transformação do ser humano, através da troca de experiências e a descoberta de novos saberes, capazes de contribuir para mudança de comportamento e atitudes. Propiciando aos educandos uma formação equilibrada, levando-os a fazerem escolhas conscientes e objetivando a melhoria da qualidade de vida. Deve-se incentivar aos jovens priorizar e valorizar a família, reconhecer a eficácia do trabalho dos profissionais da educação e contribuir para o crescimento de uma sociedade menos violenta, egoísta, individualista, relativista e, sim, mais justa e solidária.
Cada ser humano precisa do conhecimento como fonte de superação de suas dificuldades, não ter medo de desafiar seus limites sem prejudicar o próximo e ser protagonista de sua própria história.
Vencedores são aqueles que lutam pela realização de seus sonhos sem nunca desistirem por causa dos obstáculos. É preciso que cada pessoa, independente da questão social, racial, pessoal, religiosa ou econômica se empenhe em busca do conhecimento. Os meios que o propicia são imensuráveis, busque-o enquanto podes achar. “A EDUCAÇÃO É CAMINHO DE VITÓRIA”.


Autor: Emivaldo Ribeiro Cardôso - Graduado em História, Cursando Pedagogia
Especializado em: Pedagogia Escolar; Planejamento Educacional; Gestão Escolar e Metodologia de História e Geografia; Gestão Escolar; Cursando Gerontologia.

Lotação: Colégio Estadual Padrão.



Mães e filhos do Coração
 

Analisando fatos constantes sobre abandono de crianças, me vi pensando sobre a dádiva de ser mãe e do grande privilégio de pertencer a uma família. Receber afeto e cuidados é tudo que o ser humano precisa para se desenvolver bem.
No entanto, há um paradoxo muito forte na sociedade, mulheres que sonham em serem mães e crianças que necessitam serem vistas e sentidas como filhas. É neste contexto que surgem as mães do coração. Quando uma mulher olha para uma criança, a qual não foi gerada em seu ventre, e uma força sobrenatural lhe diz: “Mulher, eis aí o teu filho; filho, eis aí a tua mãe”. Acontece neste instante, um milagre da natureza: a união dos laços entre mãe e filho, algo muito mais forte, que ultrapassa as relações biológicas. 
Diante dos inúmeros fatos presenciados através dos noticiários, fica evidenciado que o amor materno não está relacionado aos laços de sangue, mas, sim, do coração, da alma de quem sente o chamado para a adoção. Infelizmente, a sociedade ainda há muito que avançar neste sentido, pois as famílias do coração têm que conviver com comentários maldosos de pessoas que acreditam que crianças adotadas nunca serão bons filhos, estigmatizam como se estivessem fadadas ao fracasso. Desconhecem que amor, valores éticos e morais não são traços biológicos, mas sociais, que as crianças co/respondem aos estímulos que recebem.
Há muitas famílias aguardando uma criança para adoção e muitas crianças desesperadas por um porto seguro, todavia a burocracia e a morosidade impedem que sonhos sejam realizados. Mais do que um ato de coragem, assumir um filho do coração é um ato de amor, é acreditar no poder que o bem pode fazer à humanidade.
É comum o pensamento que a adoção faz bem à criança, todavia o bem maior é para a família adotante, cuja realidade muda para melhor.  A alegria passa a ser a motivação das famílias influenciadas por uma vida nova, cuja gestação durou meses, ou anos, como nos casos de longa espera. Creio que a chegada do filho do coração, em muitos casos, é mais feliz do que muitos que vêm ao mundo sem serem desejados, uma vez que toda adoção é fruto de sonhos e desejos constituídos na alma daqueles (as) que esperam por um filho (a) e nem sempre podem trazê-los ao mundo na forma esperada (biológica), e ainda daquelas famílias, que mesmo com filhos biológicos, sentem-se tocados a abraçarem os filhos do coração que a vida lhes oferecer.

Nelzir Martins Costa é habilitada em Letras com especialização em Literatura Luso Brasileira e Gestão Escolar, mestranda em Ensino de Língua e Literatura pela UFT, Campus de Araguaína. Atua como Formadora de Gestores na Diretoria Regional de Ensino de Porto Nacional. rizlencosta@yahoo.com.br. Endereço: Rua 13 de Julho, n° 502, Setor Alto da Colina, Porto Nacional – TO. CEP: 77500 – 000


RIO TOCANTINS – TRAVESSIA DE HISTÓRIA E ARTE1
Rubenilson Pereira de Araujo2
RESUMO

O presente artigo faz uma análise sobre o rio Tocantins, situado na região Norte do Brasil, o qual foi veículo de progresso, origem de cidades e povoados, bem como meio de subsistência para a população ribeirinha. O foco de análise é a cidade histórica de Porto Nacional - TO, recém tombada pelo Instituto Patrimônio Histórico-Cultural Nacional (IPHAN). Na análise, realizamos uma comparação bibliográfica de aspectos literários e históricos de letras de música, poesia, romance, produção cientifica, entre outros documentos expressos em acervos regionais, os quais expressam a memória coletiva e o descontentamento com o discurso do progresso com a formação do lago, devido a construção da UHE Luís Eduardo Magalhães, situada no leito do rio, logo abaixo das cidades afetadas. Na análise das produções e/ou composições poéticas, tentamos refletir sobre o poder da arte, sobretudo a verbal, entremeada com a história oral/escrita e/ou memória social, retratando poeticamente os fatos histórico-sociais de um povo.
Palavras-Chave: História – Literatura – memória - Rio Tocantins – Porto Nacional
ABSTRACT This article makes an analysis on the Tocantins River, located in northern Brazil, which was a vehicle of progress, the origin of cities and towns, and livelihood for the local population. The focus of analysis is the historical town of Porto Nacional-TO, recently listed by the Historic-Cultural Institute IPHAN). In analysis, we conducted a comparison of literature and literary aspects of historical lyrics, poetry, romance, scientific production, among other documents expressed in regional collections, who express dissatisfaction with collective memory and the speech of the progress of construction of the lake, construction due to UHE Luis Eduardo Magalhães located in the riverbed just below the affected cities. In the analysis of production and / or poetic compositions, we try to reflect on the power of art, particularly verbal, interspersed with the oral history / written and / or social memory, poetically depicting the historical and social facts of a people.
Key words: History – Literature – memory - Tocantins River - Porto Nacional
1 Artigo apresentado como um dos requisitos parciais da avaliação da disciplina: Literatura e História –relações , ministrada pelos docentes: Márcio Araujo de Melo e Dernival Venâncio Ramos Júnior no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Tocantins (PPGL/UFT), no curso de Mestrado em Ensino de Língua e Literatura (MELL).
2 Mestrando em Ensino de Língua e Literatura pela Universidade Federal do Tocantins – MELL/UFT.
2
Água de todas as águas
Rio de encantos e lendas
Que na clareza das águas
Lava sonhos, lava vidas
E nos desvenda criança
A noite está como um dia
Sob a luz da lua cheia
A ilha arde em fogueira
Águas, pedras, corredeira...
O peito cede à ternura
Água de toda pureza,
Ilha de tantos amores,
Água de todas as águas
Banha os sonhos, lava as dores
No silêncio dos Lajedos
Nos descobrimos poetas
Sou corpo destas pedras
Sou água deste rio
Sou menino piaba das águas do Tocantins
(...)3
Introdução
A finalidade deste artigo é demonstrar como uma temática - exemplificada na figura simbólica do rio Tocantins – constrói/articula as intrínsecas relações entre História e Literatura (e/ou manifestações artísticas que utilizam a palavra como matéria-prima).
Devido a uma concepção de que a ciência é neutra de subjetividade, houve durante séculos uma tentativa de separação entre história (fato) e manifestações artísticas, entretanto segundo SELIGMANN-SILVA, (2003, p. 60) ―estamos despertando desse sonho ou pesadelo – recorrente – do historicismo, que acreditou na possibilidade de se conhecer o passado ‗tal como ele de fato ocorreu‘‖. Dessa forma, concebemos ―a compreensão da literatura como manifestação artística ancorada no processo social‖ SILVA, (2005, p. 96). Ou seja, a Literatura, como as demais artes, retratam os anseios sociais, revelando seus prazeres e dissabores.
Segundo BENJAMIN, (1994, p. 198) ―A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores‖. E mais, o mesmo autor ressalta que entre as narrativas escritas, ―as melhores são as que menos se distinguem das
3 Trecho da música: ―Água de todas as águas‖ do músico e compositor portuense Oscar Wilde Ayres da Silva
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histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos‖. Tentamos assim, transcorrer sobre o relato de fatos históricos relacionados ao objeto simbólico do rio Tocantins, sobretudo para a população de Porto Nacional, fatos narrados por figuras artísticas presentes nos acervos literários e musicais regionais, sendo que muitos deles buscam a origem na memória local, com os narradores orais anônimos que integram o censo populacional.
Rio Tocantins – Objeto simbólico na memória de seu povo
O foco da memória social ou coletiva geralmente encontra-se direcionado para as lembranças referenciais que funcionam como sinais simbólicos que representam sentimento valorativo para determinada comunidade, como menciona o pensamento de Pierre BORDIEU, (2010, p. 10):
Os símbolos são os instrumentos por excelência da ―integração social‖: enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social.
Apropriamo-nos da idéia de Bordieu ao conceber o símbolo como elemento de integração social e, nesse sentido, enfatizamos o sentimento de valoração do rio pela população ribeirinha que trata de um sentimento de afetuosidade e pertencimento das pessoas a esse objeto simbólico - o rio, como exprime os versos da canção da epígrafe acima.
Tocantins é um dos mais importantes rios do Brasil. Ele corre no sentido sul norte, na região central do território brasileiro, nasce na junção dos rios Maranhão e Paranã, no estado de Goiás e possui uma extensão de cerca de 2.400 quilômetros. A maior parte do seu percurso é paralelo ao seu principal afluente, o rio Araguaia.
O vocábulo ―Tocantins‖, que etimologicamente significa ―nariz comprido‖ ou ―bicudo‖, também deu nome ao estado mais recente da federação brasileira4. Serviu como meio de transporte para os primeiros habitantes da região e, segundo dados do
4 Em 5 de outubro de 1988, criou-se o Estado do Tocantins após aprovada a separação do território goiano por unanimidade pela Assembléia Legislativa de Goiás. Em seguida veio a aprovação pelo plenário da Assembléia Nacional Constituinte a partir da fusão de projetos anteriores em emenda redigida pelo deputado José Wilson Siqueira Campos, sendo incorporada como artigo 13 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Brasileira.
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sítio eletrônico da Fundação Cultural do estado5, o rio ―tornou-se conhecido através dos franceses que o navegaram no século XVII, vindos do Maranhão‖.
Além da importante função de transporte fluvial, durante muito tempo, ele representou um dos meios de viabilização do progresso da região norte do então estado de Goiás6. ―Numa época em que não havia estradas na região, a posição estratégica das cidades às margens do rio ─ via de comunicação com outros centros comerciais, principalmente Belém ─ foi fator importante para o seu desenvolvimento‖ 7.
Até a construção da rodovia BR-1538 na década de 1960, o rio era uma única forma de se percorrer essa região considerada esquecida e sem progresso em relação ao restante do Brasil. A construção dessa rodovia representou um progresso significativo para a região, embora o atraso para algumas cidades ribeirinhas, pois ―o eixo econômico vem a mudar, contribuindo para que haja um isolamento daquelas cidades que ficavam às margens do rio‖ (PARENTE, 2007, p. 102).
Podemos afirmar que o rio Tocantins representava para a população ribeirinha, o contato com o mundo além rio, a comunicação/interação com pessoas do lado exterior, conforme menciona OLIVEIRA, (2008, op. Cit) ―por ocasião da saída dos barcos em direção a Belém, ou por ocasião de seu retorno, os barqueiros ficavam quase loucos com os inúmeros recados destinados a parentes, amigos e namorados (as)‖.
Além disso, percebemos nessa relação visceral das pessoas com o rio, a inspiração de diversas manifestações artísticas da região, como pintura, música e arte poética. De acordo com PARENTE, (2007, p. 101) ―(...) o rio tem sido focalizado pela poesia, por crônicas e diferentes tipos de arte (...)‖ e ―serviu de inspiração aos poetas e artistas locais (...) muitos dos que passaram pela região deixaram algum verso, alguma cantiga, alguma canção alusiva ao rio, suas praias, suas areias, sua serenidade, o mar de água doce‖. Como percebemos na letra da canção na epígrafe desse texto, há uma relação intrínseca do eu-lírico com o rio, um sentimento peculiar de pertencimento ao mesmo, onde ele afirma que ―sou água deste rio/ sou um menino piaba das águas do Tocantins‖. Ou seja, o eu–lírico sente e declara-se parte de composição do rio; seria como tratar-se de algo bem relativo à idiossincrasia do individuo.
5 O sítio eletrônico da Fundação Cultural do Estado do Tocantins, de onde extraímos os dados mencionados é http://www.cultura.to.gov.br
7 Idem
8 A BR-153 (rodovia Transbrasiliana) é a principal ligação do Meio-Norte do Brasil (estados do Tocantins, Maranhão, Pará e Amapá), além de Goiás e do Distrito Federal, com todas as demais regiões do país.
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Na verdade, a importância desse rio para a população do estado é tão latente que chega, em muitos casos, ser uma relação íntima, personificada e de grau de parentesco, uma vez que o seu nome, além de dar origem ao nome do estado, também inspirou o topônimo de diversas cidades e povoados, como verificamos nessa relação de proximidade que ―a motivação de vários topônimos tocantinenses tenha sido os rios Araguaia e Tocantins, como se pode observar em Araguacema (1937), Araguatins (1948), Itaguatins (1945), Tocantinópolis (1858), Tocantínea (1953)‖ ANDRADE, (2010, p. 25). Dessa forma, notamos de acordo com OLIVEIRA, (2008, p. 1) que ―a história/memória das cidades ribeirinhas do Tocantins é inseparável da história de sua ocupação e da atividade da navegação desse rio‖.
Visto dessa maneira, percebemos nitidamente os laços que as pessoas ribeirinhas cultivam com o objeto simbólico do rio Tocantins, sendo que ele exerceu e ainda exerce o acesso e permanência de seu povo.
Rio Tocantins – origem e razão da existência de Porto Nacional
Mais que uma motivação da inspiração dos nomes atribuídos às cidades, como explica Karylleila Andrade, em Atlas toponímico de origem indígena do estado do Tocantins, alguns municípios devem sua origem ao rio, como é o caso da histórica cidade de Porto Nacional9. Um dos municípios mais antigos e expressivos para o estado do Tocantins, desde sua origem no então extremo norte de Goiás, a esse município, chegou a ser atribuído o título de ―A capital da cultura‖ devido ao seu destaque como centro religioso, educacional e cultural. ―O imaginário de Porto Nacional como a capital cultural do norte de Goiás permaneceu na mentalidade coletiva, foi passado de geração a geração e aceito com valor de verdade inquestionável‖ OLIVEIRA, (2008, p. 5). Esse
9 Segundo os historiadores, a origem de Porto Nacional deve-se á navegação pelo rio Tocantins, fazendo a ligação entre os dois centros de mineração: Pontal e Monte do Carmo. Depois destacamento militar encarregado da vigilância da navegação.
Seu primeiro morador foi o português Felix Camôa, barqueiro que, no final do século XVIII, dedicara-se à travessia no rio Tocantins de mineiros procedentes das minas de ouro de Bom Jesus do Pontal (populosa vila situada a 12 km à margem esquerda do rio Tocantins, local onde hoje só resta a história e os buracos dos garimpos) para as minas do Arraial do Carmo, distante 42 km à margem direita do Tocantins e vice-versa. (Fonte: http://cultura.to.gov.br/conteudo.php?id=63 Acesso em 26 julho de 2010).
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prestígio exercido pela cidade pode ser verificado em documentos oficiais da época, como: ―Porto Nacional é entre as cidades do Estado de Goiás uma das mais belas, das mais ricas e das mais fabulosas. Sita a 900 km ao norte da capital, ela é a princesa do sertão nortense [...] As ruas são direitas, largas, arejadas [...] o povo da cidade é culto e brioso‖ AZEVEDO, (1910, p. 185- 188).
E ainda em relação a esse fascínio sobre a cidade, temos a questão do investimento educacional pela comunidade eclesial francesa, que contribuiu significativamente para a riqueza educacional e cultural do município, como ratifica OLIVEIRA, (2008, p. 4): ―Pode-se dizer que o lugar impressionou de tal forma a comitiva pastoral que, três anos após a visita (1886), os padres franceses já estavam se estabelecendo na cidade; em 1904 chegavam também as primeiras freiras, após longa viagem em lombo de animais‖.
Como comentado anteriormente, com a construção da rodovia Transbrasiliana, mais conhecida como BR-153 ou Belém-Brasília, houve uma mudança do eixo-econômico no município, devido estar localizado à margem direita do rio Tocantins, ficando assim distante dela. Nesse sentido, é importante visualizar que esse fato, entre outros, contribuiu para intimidar o processo de desenvolvimento e muitas outras mudanças ou fatores influenciaram no progresso da região, como pontua OLIVEIRA, (2008, p. 2):
O ritmo lento do tempo vivido pelos ribeirinhos ao longo dos séculos XVIII, XIX e metade do XX, seus costumes diários, vão se modificando por rupturas mais bruscas como, a chegada dos aviões e dos barcos a motor (a partir da década de 1930); a abertura da rodovia Belém-Brasília (1960); a construção da nova capital com a criação do Estado do Tocantins (1988); e a construção da hidrelétrica do Lajeado (2001).
Entretanto, nessa travessia histórica, é importante perceber também as conquistas e, no dia 27 de novembro de 2008, Porto Nacional foi reconhecido como patrimônio do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Tal ato representou na memória uma forma de compensar perdas vivenciadas pela população em seu patrimônio histórico-cultural e isso simbolizou festa para o município, pois após a elaboração de um Inventário Histórico e Cultural de Porto Nacional, documento que traçou as diretrizes dos bens que compõem o sítio urbano a serem tombados, o município passou a compor o seleto grupo das cidades tombadas pelo patrimônio histórico. Ressaltando ainda que, no estado do Tocantins, havia apenas o município de Natividade tombado pelo IPHAN, por ser a cidade mais antiga do estado
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e também por preservar quase íntegra uma arquitetura colonial singela, que se destaca pelo seu apelo de aspecto vernáculo.
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Pedras na travessia do rio Tocantins
Na travessia deste ―rio de encantos e lendas‖, como inicia a letra da epígrafe, é válido relembrar o imaginário social e poético que permeia as águas do Tocantins e mencionamos a lenda da boiúna10 que faz parte também do imaginário das suas margens. Essa lenda amazônica representa no estado do Tocantins, características peculiares à localidade ou município, adquirindo adaptações típicas em seu enredo, de acordo com o cenário geográfico de cada região.
Com as possíveis adaptações poéticas, criou-se o folguedo ―O Auto da Boiúna e os Bonecos Gigantes‖ em Porto Nacional, no carnaval do ano de 2001, inspirado na peça de teatro homônima, de autoria de Everton dos Andes11, e, consagrou-se como um projeto pioneiro na lida com bonecos gigantes no Estado do Tocantins. Segundo informações apresentadas no sítio eletrônico www.portonaweb.com, a adaptação da obra para folguedo de rua mobiliza artistas de vários segmentos: artesãos, artistas plásticos, costureiras, escultores, atores, bailarinos e músicos, além de inúmeros figurantes. ―O Auto da Boiúna e os Bonecos Gigantes‖ constitui-se como uma representação da memória sócio-cultural de Porto Nacional.
A retratação da Boiúna, por exemplo, é um convite para se revisitar as lendas locais e o imaginário coletivo da população Portuense, que tem na cultura popular o seu referencial maior. Já os bonecos gigantes representam personalidades que construíram a história social desta localidade12.
10 A lenda da buiúna ou cobra grande faz parte do imaginário de lendas amazônicas. Trata-se de uma cobra gigante que se origina de um caso indígena e vive nas profundezas dos rios. No contexto do Tocantins, acredita-se que a mesma encontra-se com a cabeça presa no subterrâneo da catedral Nossa Senhora das Mercês e sua cauda no leito do rio em Porto Nacional, às margens do Tocantins. Segundo os moradores, a serpente um dia acordaria do seu sono milenar
11 Everton dos Andes é cantor, compositor, historiador e produtor musical.
12 Informações obtidas na noticia ―Portofolia 2010 terá abertura com desfile de bonecos gigantes‖, de 01/02/2010 disponibilizado sitio www.portonaweb.com.
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Ainda na travessia desse rio, numa abordagem dialógica da literatura, o poeta portuense Pedro Tierra, em seu poema ―Casas Mortas‖, em Porto Submerso 13 ―mescla realidade e fantasia na representação poética da destruição dos casarões que ocupava o espaço que fora destinado ao lago e a construção da orla‖. (COSTA, 2006, p. 21). Assim, ele profetiza o infortúnio, fazendo uma analogia da lenda da boiúna à transformação do rio Tocantins em lago:
Imagino que despertaram a Boiúna,
Do sono secular que a prende ao leito do rio,
Cercada pelos aros da lua nova:
Só ela, ao romper sua gaiola de águas
E o escuro dos nossos medos
Produz tamanhos assombros...
Caminho entre o cadáver humilde das casas
E vestígios das ilusões que cultivei;
Das antigas narrativas que nos ensinam a temer
E a rir dos fortes para mitigar-lhes o poder...
(Pedro Tierra, 2005)
Assim, nessa travessia do rio, o fato marcante em seu estado natural e para a população ribeirinha foi a construção da Usina Hidrelétrica Luis Eduardo Magalhães. Prevaleceu na época uma perspectiva de ascensão ao progresso para a região via rio Tocantins, como observa PARENTE, (2007, p. 102):
Com a criação do estado do Tocantins, as discussões e investimentos voltam novamente para o rio, agora com a construção de grandes usinas como a mais viável forma de se produzir energia. Devido à grande extensão desse rio, várias usinas já foram construídas e outras tantas estão em processo de construção. Essa política de construção de hidrelétrica é resultado de uma estratégia mais ampla adotada pelo setor público no Brasil, em resposta à demanda de energia advinda do crescimento industrial e de urbanização, intensificado a partir da década de 1950.
Assim, com o discurso de promover o progresso para as regiões até então atrasadas, é arquitetado e consolidado o projeto de construção da Usina Hidrelétrica Luis Eduardo Magalhães, segundo as informações que nos repassa a autora:
A UHE Luís Eduardo Magalhães — Lajeado foi construída por um consórcio de várias empresas no município de Miracema e Lajeado, a 120 km de Porto Nacional. Considerada um dos mais arrojados projetos hidrelétricos do país, a usina foi construída em um tempo recorde — apenas 39 meses —, tornando-se num marco do setor elétrico: o maior empreendimento de geração realizado pela iniciativa privada no Brasil, cuja área de reservatório ocupa 630 quilômetros quadrados. (PARENTE, 2007, p. 103).
Percebemos que a ordem do progresso traz conseqüências e ―todo empreendimento de grande porte, gera impactos imediatos a médio e longo prazo no
13 O livro ‗Porto Submerso‘ trata-se de uma coletânea de poemas relacionados à cidade e ―foi inspirado em um projeto de aprendizagem denominado ‗Porto Cidadão‖ desenvolvido pelo CEM Prof. Florêncio Aires em Porto Nacional-TO,
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meio ambiente e nas sociedades tradicionais, ultrapassando os limites de sua abrangência‖ PARENTE, (2007, p. 102) e foi semelhante a isso que ocorreu com a realização desse empreendimento da UEH Luis Eduardo Magalhães. Os municípios de Miracema, Lajeado, Palmas, Porto Nacional, Brejinho de Nazaré e Ipueiras foram parcialmente inundados, totalizando um contingente de três mil famílias atingidas na área rural, urbana e comunidade indígena Xerente.
Ao refletirmos criticamente sobre esse fato, ousamos realizar uma analogia com uma realidade bem distinta narrada na obra Relações de força: história, retórica, prova, de Carlo Ginzburg. Na referida obra, há um episódio ocorrido na Grécia Antiga entre Atenienses e Mélios em que a força prevaleceu como forma de resolução de conflito e de legitimação de direito pelo mais forte. No caso da construção da usina, as relações de força estabelecidas culminaram com a perda de algo querido por parte da população (os que amavam o rio), enquanto os investidores venceram com o discurso de benefícios comuns.
Assim, com o decorrer de aproximadamente uma década após a formação lago formado para a construção da UHE Luís Eduardo Magalhães prevalecem discursos das perdas e ganhos de tal investimento, o qual serviu para os investidores e/ou dominadores como forma de permanência e aumento de poder e por outro lado, para aqueles dominados, a sensação de amputação de parte de sua memória, em seu patrimônio histórico-cultural.
Poeticamente, há a revolta da população com o sentimento de perda da identidade simbólica do rio, pois o mesmo transformou-se em lago devido a represa criada para a construção da usina. A vivacidade das águas, expressas em suas correntezas agora parece mórbida com o represamento das águas. Assim exprime Pedro Tierra sobre a questão:
Deram de encarcerar os rios.
Rio é vivente bruto, é medida de tempo.
Tempo às vezes avança, às vezes encalha.
Rio dá voltas. Retrocede feito bicho.
Urde rebojos. Trabalha funis enlouquecidos.
Mergulha em noites sem termo.
Mas rompe.
Sempre sabe encontrar os desvãos,
As fendas para seguir seu curso, como a vida.
Os rios que narro perderam a inocência.
Conhecem as mãos humanas.
Um rio quando barragem, anoitece as manhãs que cultivava.
(TIERRA, 2005, p. 28).
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Nessa personificação do objeto poético, o poeta enfatiza a resiliência do rio, caracterizando-o como ―um lutador, cujo ideal é resistir às mudanças impostas, como o soldado que tenta vencer a batalha, mas que aos poucos vai demonstrando cansaço e se vê vencido pela força do inimigo‖ COSTA, (2006, p. 41).
Nessa junção de arte e fato, na relação de manifestação artística e história, é importante observar o que conclui AGUIAR, (1998, p. 23):
Os memoralistas têm, assim, um pé na história e outro na ficção. A conclusão decorre sobretudo, da maneira com que o autor de memórias pode tratar o acontecimento evocado. Para ele, tal como o historiador, depende do fato a ser constituído e interpretado, não é essência verificar a verdade do acontecimento, mas traduzir a emoção por ele provocada.
Notamos nesse aspecto que a representação mimética da literatura possui um poder de exprimir o sentimento humano. A literatura passa a ter sentido assim, na falta, no vácuo da realidade vivenciada. Comungamos assim do pensamento de SELIGMANN-SILVA, (2003, p. 48) de que ―a linguagem/escrita nasce de um vazio – a cultura, do sufocamento da natureza e o simbólico, de uma reestrutura dolorosa do ―real‖ (que é vivido como um trauma)‖. Dessa forma, é nítido o descontentamento do poeta com o cenário modificado:
Ao primeiro olhar o rio assume as feições
De lagoa. De útero. Misteriosa oficina de vida.
Melhor, um avesso de útero:
Vai devorando as ilhas
Que se opõem à sua placenta corrosiva.
Dissolve areias e memórias
Para nutrir vagidos e vida nova,
Imprecisa:
Algo entre o pássaro e a calamidade.
Tocantins: veia aberta num brejal
Que se derrama pelo cerrado vasto
E reconfigura a estampa da paisagem
— e do peito —
Esculpida nos ásperos, no torto,
Na dura vontade do sertão.
O rio teima em manter-se rio, corrente:
Uma veia de esmeralda líquida e retesa
Varando o ventre do lago,
Feito alma submersa
E luminosa a lhe dar sentido.
Vencido, o rio se abranda em barros e silêncios.
Grávido, cálido, fermentado.
Engendrando o desconhecido
Belo ou monstruoso que saltará sobre nós.
(TIERRA, 2005, p. 85)
O saudosismo em relação à realidade presente expressa a perda de identidade da população ribeirinha com as alterações ocorridas no rio Tocantins em virtude da construção UHE Luis Eduardo Magalhães. Nos versos expostos acima, notamos um
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misto de realidade e ficção, remontando na memória coletiva dos portuenses essa alteração no cenário natural o qual modificou significativamente o modo de vida da população ribeirinha.
No sentido da intertextualidade poética, é importante observar a letra da canção Por água abaixo14, em que o autor/compositor faz um jogo poético, um trocadilho com os vocábulos ―adeus‖ e ―doeu‖ para exprimir esse sentimento coletivo de perda no cenário natural do município:
Ai d’eu,
Linda e graciosa
Ai d’eu
Ilha Porto Real15
Adeus Carreira Comprida16
Onde passei minha vida.
Adeus meu rio e quintal
De águas verdes
Transparentes
Deságua naquela represa
Que afoga o amor da gente.
Ah! Quantas vezes naveguei
Ah! Esse canto que me faz lembrar
Por onde andei...
Ao ‗navegar‘ pela estrutura lingüística da letra da canção acima, notamos que ―a linguagem é antes de mais nada o traço – substituto e nunca perfeito e satisfatório – de uma falta, de uma ausência‖ SELIGMANN-SILVA, (2003, p. 48). No campo semântico, notamos também a nostalgia das praias e/ou ambientes de lazer da população – Ilha de Porto Real e Carreira Comprida.
O rio, na época de estiada de junho a agosto, atraía milhares de turistas provenientes de diversas cidades brasileiras para suas praias, e isso ocasionava um aumento significativo na economia local.
Ainda perplexos com esse cenário desagradável, é importante voltar o nosso olhar também para a população ribeirinha, sobretudo aqueles que necessitavam do rio para manter sua sobrevivência, como é o caso da comunidade da Pirraça e Pinheirópolis, de Porto Nacional que mantinham vazantes à margem esquerda do rio para cultivar frutos típicos regionais e vendê-los na feira do município. Sobre a prática
14 Essa canção integra a coletânea do CD Suciologia, de autoria de Everton dos Andes. Segundo o autor, trata-se da primeira canção composta após passar por um longo período sem conseguir compor nenhuma melodia que pudesse refletir a nova realidade e sentimento de perda. (cf. MESSIAS 2008, p. 3)
15 Ilha de Porto Real é a praia antes natural na cidade de Porto Nacional, atualmente foi montada uma nova estrutura artificial logo mais abaixo para substituir a tal ilha. O nome atribuído se dá devido historicamente, a cidade ter essa denominação, por ocasião ainda da monarquia.
16 Carreira Comprida trata-se de uma ilha localizada acima da Ilha de Porto Real e da ponte sobre o rio Tocantins. O nome atribuído pela população é inerente às fortes corredeiras presentes no leito do rio no local, hoje submersas com a formação do lago da UHE Luis Eduardo Magalhães.
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do cultivo das vazantes, trata-se de um hábito rotineiro indígena e é importante verificar como exprime AUDRIN, (1947, p. 49) a respeito:
Mais de uma vez, viajando nas solidões do Araguaia em companhia de Carajás, vimos esses índios afastarem -se, sumirem-se atrás de uma ilhota, de um braço ou furo do rio e, depois de certa demora, voltarem trazendo –nos melancias, mamões e outras frutas colhidas em recantos somente por eles conhecidos. Os nossos Caiapós quando atravessavam a mata virgem, à procura da casa da catequese, acampavam em determinados pontos das estradas, e, enquanto os ―cunhares‖ armavam as barracas de palhas para o pouso, os homens sumiam -se na floresta fechada de cipós e tabocais. Não tardavam a reaparecer, trazendo, além de caças diversas, milho verde, mamões, ananases e mandubis, apanhados em esconderijos inacessíveis a qualquer transeunte.
Assim, esse era um dos meios de subsistência para inúmeras famílias que viviam da produção desses frutos cultivados praticamente no quintal de suas residências.
O re-assentamento dessas famílias pela empresa responsável pela construção da usina não garantiu as mesmas condições para o cultivo desses frutos que garantiam-lhes a subsistência. È válido também observarmos que como retratado anteriormente nos versos das canções e poemas exemplificados, o maior prejuízo e alteração não foi apenas no tocante ao meio ambiente, mas acima de tudo, no modo de viver, na memória local. Nesse sentido, é importante atentarmos para o que lembra PARENTE, (2007, p. 107):
Quando se discutem as repercussões e impactos da formação do lago, o que aparece são as repercussões que afetaram diretamente o meio ambiente, a fauna, a flora etc. Parece que os impactos que atingiram essas populações em sua forma de viver, em seu cotidiano, suas lembranças, não são importantes no momento em que se fala dos grandes investimentos desenvolvimentistas, ou seja, a memória nacional ou estabelecida.
As expressões artísticas expostas acima nos exemplificam como a literatura, a música conta/canta a história no sentido de mostrar a arte narrando a história, e como não é mais possível observar o passado ou vivenciá-lo, a não ser via linguagem, neste caso poeticamente, o que não deixa de expressar linguisticamente o desejo de preencher uma lacuna, um vazio; onde a manifestação artística exerce essa função de repor e/ou substituir. Destacamos assim, o pensamento de Todorov (2009, p. 76): ―a literatura pode (...) nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver‖. O mesmo autor ainda afirma que ―a realidade que a literatura aspira compreender é simplesmente (...) a experiência humana‖ (TODOROV, 2009, p. 77), e que ela ―escapa às censuras que se exercem sobre as teses formuladas de forma literal‖ e que ―as verdades desagradáveis – tanto para o gênero humano ao qual pertencemos quanto para nós mesmos – têm mais
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chance de ganhar voz e ser ouvidas numa obra literária do que numa obra filosófica ou científica‖ TODOROV, (2009, p. 80).
Nesse sentido concebemos a memória como um conjunto de representações simbólicas e esse conjunto é construído coletivamente na constituição de identidade de um povo transmitidos, sobretudo através de manifestações artísticas verbais (literatura e música).
Mosaico de olhares artísticos sobre a questão
Nesse aspecto, é interessante analisar que a abordagem intertextual nas manifestações artísticas na temática aqui abordada, a literatura e música (as quais, o objeto artístico é a palavra, a arte da palavra) exprimem a memória coletiva. Essa memória torna-se subjetiva a um povo, emergindo a supremacia de seu objeto simbólico.
Acreditamos que esse sentimento de valoração do objeto-símbolo do rio assemelha-se com o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), sob o heterônimo de Alberto Caeiro, ao expressar os versos do poema Rio de minha aldeia: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/ Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/ Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”.
Segundo KRISTEVA (1974, p. 64) ―todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto. Em lugar da noção de intersubjetividade, instala-se a de intertextualidade e a linguagem poética lê-se pelo menos como dupla‖.
Pensando nesse aspecto, comparamos a realidade aqui exposta com a leitura de Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum. Na trama da narrativa, como personagem de fundo, contracena o Rio Amazonas, com seu peso e obscuridade, serve de cosmos. A cidade de Manaus é confundida, desde os primeiros colonizadores, com o Eldorado. O enredo desenvolve-se no cenário de uma região e de toda uma época que, à base da seiva da seringueira, simboliza os sonhos seculares de um Eldorado amazônico.
Podemos perceber e realizarmos uma análise comparativa das realidades apresentadas no seguinte trecho da obra:
Muitos nativos e ribeirinhos da Amazônia acreditavam – e ainda acreditam – que no fundo de um rio ou lago existe uma cidade rica, esplêndida, exemplo de harmonia e justiça social, onde as pessoas vivem como seres encantados. Elas são seduzidas e levadas para o fundo do rio por seres das águas ou da floresta
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(geralmente um boto ou uma cobra sucuri), e só voltam ao nosso mundo com a intermediação de um pajé, cujo corpo ou espírito tem o poder de viajar para a Cidade Encantada, conversar com seus moradores e, eventualmente, trazê-los de volta ao nosso mundo (...) Anos depois, ao ler os relatos de conquistadores e viajantes europeus sobre a Amazônia, percebi que o mito do Eldorado era uma das versões ou variações possíveis da Cidade Encantada, que, na Amazônia, é referida também como uma lenda. (HATOUM, 2008, p.106)
Notamos paralelamente que apesar de geograficamente, o Tocantins pertencer à região da Amazônia legal há visíveis diferenças em ambos os estados, porém, é importante perceber que as realidades, um fato apresentado aqui e a outra ficção no romance literário, o rio desempenha uma figura simbólica na relação com os personagens. Nessa presença onipotente das águas que contracenam nas duas histórias reais e/ou fictícias são entremeadas de mitos e lendas que compõem o imaginário social de ambas as localidades, cada uma com sua singularidade. Outro fato curioso na comparação é a questão de que em ambas as narrativas, há a interferência humana que provoca a decadência da realidade do cenário natural.
Ao concebermos o título e o enredo do romance de Hatoum (Órfãos do Eldorado) e fazendo uma analogia ao cenário de Porto Nacional, percebemos que órfãos ficaram todos os atingidos na questão. As pessoas, como enfatizado acima, eram filhos e/ou parte desse rio que foi parcialmente modificado.
A comparação final com a obra de Hatoum mostra com clareza a orfandade a que foram submetidas as duas sociedades, em função de um elemento em comum ao mesmo tempo concreto e simbólico, pois os rios (Amazonas e Tocantins), na sua concretude, permitiram que as pessoas vivessem também concretamente. Para adiante, algo perturbador fizesse com que eles desaparecessem substituídos por algo que, de forma concreta, não é mais o mesmo rio.
Segundo SELIGMANN-SILVA (2003, p. 70) ―a própria existência de debates intensos e emocionalmente carregados dá mostras da impossibilidade de se separar História e memória‖. Daí, concluímos que essa impossibilidade de separar História e memória permite ao artista exprimir os fatos acontecidos, através de sua imaginação e veio artístico.
Considerações Finais
Provavelmente por termos vivenciado o século XX como o século da especialização, há ainda nebulosidade em nossa visão intertextual/dialógica
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proporcionada sobremaneira pelo texto poético. O todo está presente nos vários contextos e se conecta ao grande emaranhado do tecido da vida com suas diversas manifestações artísticas permeadas pelas sendas da linguagem humana.
Acreditando na complexidade do inerente ao ser humano e devido à abrangência do tema, muitas vezes, podemos ter divagado nesse texto, apresentando devaneios ou frutos da imaginação pessoal, entretanto, como citado anteriormente, na construção desse objeto de pesquisa há uma aproximação significativa entre fantasia e realidade, entremeando objetividade e impressões subjetivas. O fato é que a História não existe por si mesma, e para a sua ressignificação no presente, torna-se necessário a presença de manifestações artísticas. Vale ainda ressaltar que entre essas expressões a Literatura e a Música foram indissociáveis por um longo tempo e continuam apresentando um grande fator em comum: a arte da palavra.
Notamos ainda que na memória do povo tocantinense, sobretudo, os habitantes de Porto Nacional, como expresso aqui nos versos dos poemas e canções, o objeto simbólico rio Tocantins representa uma maestria significativa e a medida em que há a interferência humana em seu curso normal, há também alterações no modo de vida de seu povo.
Referências Bibliográficas
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TODOROV, Tzvetan. A Literatura em perigo. Editora Difel, 2009.





Educação como prática da Liberdade


                  Peço licença ao parodiar Paulo Freire no título deste texto com o propósito de abordar a educação no sistema prisional, uma vez que essa sua afirmação abrange toda a essência do trabalho que consiste em garantir educação para aqueles que se encontram privados de liberdade.
            Ao participar de um evento de conclusão de curso e encerramento do ano letivo na Unidade Prisional de Porto Nacional, a certeza da importância da educação para a formação humana e transformação social afloraram em mim, embora nunca tenha duvidado disto.
            Os depoimentos ali proferidos ratificaram todas as teses relativas a esta temática. Não há como atribuir um valor ao depoimento de um reeducando, um senhor de aproximadamente 32 anos, que relatou sua experiência com o mundo das letras. Segundo o qual, embora para muitos pareça antagônico, foi no presídio que teve a oportunidade de se alfabetizar: “aqui tive a chance que não pude ter lá fora: aprender a ler e a escrever. Hoje posso ler e escrever cartas, conhecer coisas novas sobre o mundo”.
            Afirmações contundentes não faltaram naquele lugar: das professoras, agentes penitenciários, reeducandos, inclusive do Secretário da Justiça e dos Direitos Humanos ao relatar a sua experiência de vida. Todos exemplificaram que a educação se constitui em uma porta para a realização pessoal e social. Daí a necessidade de maiores investimentos na educação no Sistema Prisional.
            Segundo informações veiculadas no site http://pessoas.hsw.uol.com/prisoes, a maioria absoluta dos presidiários brasileiros é formada por pessoas pobres, da classe baixa. Destes, 70% não completaram o ensino fundamental e 10,5% são analfabetos. E é neste contexto que a educação sistematizada deve se estabelecer, levando todo o seu poder de transformação, reflexão e, consequentemente, de libertação. A educação suscita sonhos e preenche significativamente o tempo de quem vive ocioso, fatores por si só, autossuficientes para a condição na qual vivem os encarcerados brasileiros.
            Souza (2003) defende que comprometer-se com a luta e a promoção do direito à educação é promover o respeito à dignidade humana e reconhecer, através de atitudes e propostas viáveis para o campo educacional, o valor absoluto da vida. Os detentos presentes naquele evento demonstraram o quanto se sentem privilegiados e valorizados enquanto pessoas e a vontade de se (re)integrarem à sociedade de forma honesta.
            É certo que os resultados não alcançaram os 100%, assim como acontece nas escolas, porque sabemos que as respostas aos estímulos e motivações dependem de cada um, são intrínsecas, porém as sementes que germinarem e frutificarem valerão por todo o esforço e dedicação dispensados. Como já dizia Cora Coralina, é “quebrando pedras e plantando flores” que se edifica a vida e melhora a sociedade.
           
Nelzir Martins Costa é habilitada em Letras com especialização em Literatura Luso Brasileira e Gestão Escolar, mestranda em Ensino de Língua e Literatura pela UFT, Campus de Araguaína. Atua como Formadora de Gestores na Diretoria Regional de Ensino de Porto Nacional. rizlencosta@yahoo.com.br.
Endereço: Avenida Misael Pereira, 1962, Centro, Porto Nacional - TO

6 comentários:

  1. O blog é maravilhoso, tem uma leitura fácil e mostra com riqueza de detalhes o trabalho que vem sendo desenvolvido, portanto se faz interessante para o público em geral, parabéns Ivanilde Gomes.

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  2. ObrigAdo, Vanessa, espero que continue visitando nosso blog. É um prazer tê-la conosco.

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  3. Parabéns Ivanilde, como sempre voce é muito criativa,palavra de amiga, de amiga verdadeira. Helena

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    1. Obrigado, Helena. Sei que é amiga verdadeira, por isso conto com sua participação sempre.

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